Autor: Felippe Barbosa
Título Original: Os Quase Completos
Páginas: 384
Ano: 2018
Editora: Arqueiro
O Quase Doutor é um renomado cardiologista que passa os dias em um hospital, mas no fundo é um artista frustrado. A Quase Viúva é uma professora que está de licença do trabalho para ficar com o noivo, em coma após um grave acidente. O Quase Repórter é um jornalista decepcionado com a profissão que sofre há mais de um ano pelo suicídio da esposa. A princípio, a única coisa que essas pessoas têm em comum é a sensação de incompletude e de desilusão com a vida.
Até que, um dia, o Quase Doutor é persuadido por um velho desconhecido a embarcar com ele em um ônibus rumo a uma jornada para se reconciliar com seu passado. Logo a viagem se transforma em uma aventura extraordinária e, em meio a fenômenos como uma chuva de estrelas cadentes, ele precisa fazer escolhas que mudarão seu destino para sempre.
Enquanto isso, eventos misteriosos levam a Quase Viúva a suspeitar que alguém dentro do hospital quer matar seu noivo e uma pesquisa minuciosa do Quase Repórter revela que sua esposa pode ter sido assassinada. Quando os dois tentam descobrir a verdade sobre seus amados, tudo leva a crer que a resposta está dentro do ônibus do Quase Doutor.
Reunidos num lugar que nunca imaginaram existir, os três serão forçados a enfrentar seus maiores medos e verão que, para se tornarem completos, precisarão encarar a batalha mais difícil de todas: aquela que travamos com nós mesmos.
O Quase Doutor estava no seu dia escolhido para tirar a folga de seu trabalho exaustivo. Começara a considerar que aproveitar aquele dia mágico seria tudo até receber um telefonema do hospital para que ele voltasse. Foi assim que começou a conversar com um senhor estranho no ponto do ônibus que parecia saber algo sobre a sua vida. E naquele momento quando um ônibus A307 enferrujado e laranja parou na sua frente e o senhor embarcou oferecendo uma carona e uma aventura, o Quase Doutor resolveu que seria uma nova opção e seguiu em frente.
O Quase Repórter não consegue mais fazer o seu trabalho direito. Há um ano sua esposa foi atropelada por um ônibus e veio a falecer. Mas ele acreditava que ela não poderia ter se suicidado porque conhecia a sua mulher muito bem. Mas as investigações tinham terminado e o resultado final era este. Só que não era possível aceitar e ele iria investigar até onde fosse necessário.
"Ergui a cabeça e fitei os assentos à minha volta. Além de mim e Barfabel, três pessoas ocupavam o interior do ônibus. Um homem e duas mulheres. Todos eram extremamente idosos, o que me fez pensar se não estava sendo enganado e levado para uma casa de repouso. Afinal, o que raios eu fazia naquele ônibus? Por que havia entrado ali?" Pág. 31
A Quase Viúva estava cansada. Diretamente junto ao leito de seu noivo há alguns dias, deprimida e sofrendo, pensava como iria conseguir continuar com aquela dor em seu peito. Desde criança sonhava com o casamento perfeito e ver seu noivo naquele estado de coma e todo machucado não era nada fácil. Mas ele tinha sido atropelado e agora estava entre a vida e a morte e precisava aguentar firme.
O que ninguém sabia é que aquele senhor chamado Barfabel, na verdade estava levando o Quase Doutor para um mundo diferente, para o Oitavo Reino, onde tudo era como o Doutor desejava que fosse na sua vida real. As coisas aconteciam exatamente como ele sempre desejou desde a sua infância. Os sonhos virando realidade. Um mundo completamente perfeito de acordo com o seu coração.
Mas tudo o que parece perfeito demais tem sempre o seu outro lado. Lutar pela perfeição traz consequências às vezes devastadoras e para isso muitas outras pessoas podem sofrer e outras mais terão que lutar para manter a realidade acesa. Basta saber se tudo o que se sonha é realmente um reino perdido ou um fruto verdadeiro.
"- Quando este tal Otávio entrou em coma, a senhorita entrou entrou em coma também? Por acaso estão ligados por alguma algema invisível ou pacto de sangue?
- O quê?
- Levante-se, mulher! Seu parceiro pode estar inconsciente, mas você não. Ele representa parte de sua vida, mas não sua vida inteira." Pág. 101
Este autor foi uma grande descoberta da Arqueiro. De início eu fiquei meio ressabiada com a leitura pelo estilo de fantasia ao qual a trama ia se encaixando e até os personagens se encaixarem perfeitamente achei um pouco lento o contexto. Mas isto durou somente poucos capítulos. Bem poucos na verdade, porque depois que consegui captar a verdade por trás de tudo o que foi criado por Felippe Barbosa, não consegui mais parar de ler.
A escrita do autor é bem do jeito que eu gosto. Tem uma desenvoltura bem culta e estruturada, com diálogos inteligentes e cheios de contexto. O cenário é bastante descrito e não deixa a desejar já que quando se cria um mundo de fantasia todo e qualquer pedaço que falte vai fazer desmoronar um pouco a mente do leitor.
Cada personagem tem a história contada em capítulos que são alternados com o do Quase Doutor que posso dizer ser o personagem principal da trama. Aos poucos fui me familiarizando com cada um até o ponto em que cada segredo vai sendo recontado desde o princípio. É então que ao ver a vida dos personagens desde a infância até o momento da trama atual traçada, que se tem um vislumbre da totalidade exata do que a obra quer relatar.
E é quando eu tomei um choque de emoção. Quando percebi que até aquele momento não tinha reparado na verdade que o autor tinha colocado à minha frente. Como não tinha reparado naquilo? Queria tanto poder contar para vocês o que é, mas aí eu iria dar um grande spoiler e estragar a leitura, mas foi um momento de grande revelação que quase gritei de emoção.
A partir deste momento meu coração se apertou e eu comecei a rever o meu passado e a perceber que eu também queria estar naquele ônibus, também queria viver aquela viagem e também queria poder escolher aqueles momentos. Que lição de vida! Que lição de amizade! Que lição de amor!
"Assim é a vida. Haverá sempre complicações e desafios. Fugir parecerá sempre mais fácil. Mas a verdade é que... não existe uma trilha mais simples. Tudo o que temos é aquilo que nos foi dado. E é ali que se deve aprender a encontrar a felicidade. Na vida como ela realmente é." Pág. 278
E como se um livro pudesse te fazer refletir sobre tudo aquilo que eu já tivesse escolhido para toda a minha vida, eu repensei em como as escolhas algumas vezes podem fazer a diferença. Mas nunca são definitivas. Tudo pode ser reiniciado. Nada tem fim. O errado é sermos incompletos.
Um livro que merece aplausos de pé de um autor que mereceu o prêmio Pólen de Literatura e que merece ter este livro levado às telas de cinema ou transformado em seriado para que todos possam perceber o quanto suas vidas devem ser transformadas naquilo que sempre sonharam. Na infância, na juventude e onde quer que estejam neste momento!
Obrigada, Felippe! Muito obrigada!